quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Poema: A Velhice - Olavo Bilac



O neto:
Vovó, por que não tem dentes?
Por que anda rezando só?
E treme, como os doentes
Quando têm febre, vovó?

Por que é branco o seu cabelo?
Por que se apóia a um bordão?
Vovó, porque, como o gelo,
É tão fria a sua mão?

Por que é tão triste o seu rosto?
Tão trêmula a sua voz?
Vovó, qual é seu desgosto?
Por que não ri como nós?


A Avó:
Meu neto, que és meu encanto,
Tu acabas de nascer...
E eu, tenho vivido tanto
Que estou farta de viver!

Os anos, que vão passando,
Vão nos matando sem dó:
Só tu consegues, falando,
Dar-me alegria, tu só!

O teu sorriso, criança,
Cai sobre os martírios meus,
Como um clarão de esperança,
Como uma bênção de Deus!


Poema: A Velhice
Autor: Olavo Bilac
Livro: Poesias Infantis

domingo, 21 de fevereiro de 2021

As lições do livro A Vida Intelectual para organização da vida de estudos

    Um dos livros recomendados pelo Prof. Hélio Angotti Neto em suas aulas do Seminário de Filosofia Aplicado à Medicina é A Vida Intelectual, escrito por Antonin Sertillanges em 1920. Confesso que ao ler o nome do livro pela primeira vez questionei acerca de qual seria a relação entre essa obra e a medicina. Folheando as primeiras páginas, o questionamento foi respondido.

 
    O livro é considerado um tesouro para todos aqueles que desejam, ou precisam, ter uma vida de estudos produtiva, organizada e eficaz. De forma ordenada, o autor traz centenas de orientações e lições para que o estudante possa atingir seus objetivos intelectuais. Decidi transcrever vinte e cinco dos principais trechos da obra (na minha opinião) e comentar alguns de forma sucinta.


1) "Obter sem pagar é um desejo universal; mas é o desejo de corações covardes e de cérebros enfermos." Página 29
       
Já no início da obra, Sertillanges alerta aquele que quer se dedicar a vida de estudos que tudo tem um preço e que não se pode obter conhecimento sem pagar o preço que ele requer: disciplina, método e constância. 
        
2) "O que vale mais do que tudo é o querer, um querer profundo: querer ser alguém, chegar a algum lugar." Página 31

3) "Aprenda a administrar esse pouco tempo; mergulhe todos os dias de sua vida na fonte que desaltera e dá ainda mais sede." Página 32

Não é novidade que nosso estilo de vida atual não nos permite ter muitas horas lives, seja você um         estudante ou um profissional. Trânsito, redes sociais, afazeres domésticos, filhos, etc. tudo isso faz         parte da vida e pode parecer um empecilho para aquele que quer dedicar algumas horas à leitura            ou ao estudo. Mas o autor nos mostra que com uma boa organização, podemos "programar" nosso dia e aproveitar os curtos momentos ociosos que desperdiçamos com futilidades.

4) "Um pequeno erro no início torna-se grande no fim." Página 38
  
Iniciar os estudos pelas fontes erradas, com pressa demais ou pelo mais difícil é começar errado e custará um grande preço no final.

5) "Como é possível pensar bem com uma alma doente, com um coração trabalhado pelos vícios, divididos pelas paixões, desorientado pelos amores violentos ou culpáveis?" Página 39

6) "Não pensa na preguiça, onde os melhores dons são sepultados? Na sensualidade, que debilita o corpo e o torna pesado, nubla a imaginação, embota a inteligência, dissipa a memória... Na inveja, que recusa obstinadamente a luz provinda de outrem?." Página 42
 
7) "Não sobrecarregue o solo; não levante a construção além do que a base permite, ou antes que a base esteja firme: isso faria tudo ruir. Quem é você? Onde está? Que alicerces intelectuais já possui?" Página 44
 
São Tomás de Aquino resumiria esse trecho da seguinte forma: "Não busque o que está acima de  ti.". Sabia suas limitações
 
8) "Cuide da alimentação. Uma refeição leve, simples, moderada em quantidade e em condimentos, favorecerá um trabalho mais atento e mais livre. Um pensador não passa a vida em sessões de digestão." Página 51

9) "Para dar hospitalidade à ciência, não são necessários móveis raros, nem numerosos empregados domésticos. Muita paz, um pouco de beleza, certas comodidades que economizam tempo, é tudo que precisa." Página 56

Engana-se quem acredita ser necessário um home office luxuoso para ter um ambiente propício para estudar.

10) "Não corra atrás das novidades que ocupam o espírito em vão." Página 59
    
Todos os dias somos tomados por notícias que em um primeiro momento parecem ser importantes. Discutimos durante horas com nossos parentes, no grupo de WhatsApp, sobre a nomeação do novo ministro e até mesmo sobre a cotação do Dólar. E o dia passa. E nada muda. E não fizemos nada de produtivo. Fomos vítimas da curiosidade vã.

11) "No princípio há muito entusiasmo; depois, com as dificuldades, surge o demônio da preguiça." Página 65

12) "Na medida em que podemos escolher, devemos organizar nossa vida de modo a estar tanto quanto possível em contato com pessoas superiores." Página 68
 
Pessoas superiores não são as pessoas mais ricas ou que ocupam cargos importantes, mas sim pessoas mais virtuosas, nobres de caráter e excelentes no cumprimento de suas vocações. Só temos a aprender com elas.

13) "Uma única palavra ouvida com atenção pode ser um oráculo. Um camponês é às vezes muito mais sábio que um filósofo." Página 79

Esse trecho nos orienta a não desprezarmos ninguém. Há verdade e sabedoria em todas as situações e pessoas.
    
14) "Fuja das conversas vãs, das visitas inúteis; limite a correspondência ao estritamente necessário; apenas passe os olhos pelos jornais." Página 93

15) "Faça alguma coisa ou então não faça nada. O que decidir fazer, faça-o ardentemente, com afinco, de modo que o conjunto da sua atividade seja uma série de vigorosas retomadas. O trabalho pela metade, que é um repouso pela metade, não favorece nem o repouso nem o estudo." Página 94

16) "Os maiores homens sempre se mostraram mais ou menos universais; excelentes em certo campo, foram em outros ao menos curiosos, frequentemente especialistas, e às vezes até mestres." Página 102

Nesse trecho, Sertillanges abre nossos olhos para a importância de ter uma cultura geral. Não precisamos ser ultraespecialistas e resumirmos nosso saber a apenas uma área.

17) "O semicientista não é o que só sabe a metade das coisas, mas o que só as sabe pela metade." Página 113
 
O autor também orienta que devemos ter cuidado para não nos contentarmos em saber as coisas superficialmente.

18) "Ordene seu trabalho para poder dedicar-se por inteiro a ele. Que cada tarefa absorva-o profundamente, como se fosse a única. Era esse o segredo de Napoleão; e o segredo de todos os grandes homens de ação. Os próprios gênios só foram grandes pela aplicação de toda sua força no ponto que tinham decidido focar." Página 118

19) "Temos que ler inteligentemente, e não apaixonadamente. Vamos aos livros como a dona de casa vai ao mercado, já tendo os cardápios do dia definidos conforme as leis da higiene e de uma prudente economia." Página 132
 
O escritor nos orienta a ler o que é necessário para o objetivo que desejamos atingir. Não adianta ser "viciado" em leitura e ir aos livros como um alcoólatra vai ao boteco.
 
20) "Ame os livros eternos, que dizem as verdades eternas." Página 135

21) "Ninguém é infalível; mas o aluno o é bem menos que o mestre, e se recusa a se submeter, para cada vez em que estiver com a razão haverá vinte vezes em que errará a verdade e será vítima das aparências." Página 137
 
Esse trecho é um alerta para que respeitemos e honremos nossos professores. Na maior parte da jornada seremos aprendizes.
 
22) "O que cada um deve procurar conservar em plena luz na sua cabeça e disponível à primeira solicitação é o que constitui a base do seu trabalho, aquilo que sabem, pelo mesmo motivo, todos os espíritos eminentes de sua profissão. Nisso não há negligência possível, e deve ser cumprido no menor prazo possível. Quanto ao resto, será adquirido à medida em que for exigido por uma tarefa particular, sem muito esforço." Página 154
 
É claro que surge a preocupação de dominarmos determinados assuntos, mas devemos distinguir o "essencial" do "importante". Devemos perseguir o essencial e dominá-lo. O importante virá com o dia a dia. 
 
23) "Alguns recorrem aos estimulantes: é um método nefasto. O efeito é apenas momentâneo; é um artifício que se esgota; é preciso aumentar dia a dia a dose... um estimulante mais inocente é a caminhada, seja ao ar livre, seja no próprio escritório. Muitos trabalhadores engrenam seu cérebro através do exercício muscular." Página 185

24) "Para que apressar-se indiscretamente, quando o caminho já é um objetivo, quando o meio já é um fim?" Página 189 

25) "Empreender conforme suas forças, só dizer o que se sabe, não forçar-se a pensar o que não se pensa, a compreender o que não se compreende... que sabedoria!" Página 194

 
Abaixo deixo o link de compra [1] e um "vídeo resenha" da obra [2].
Até logo. 
 
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[1]  https://livrariaib.com/a-vida-intelectual
[2]  https://www.youtube.com/watch?v=3GjQaqFVYvc

domingo, 3 de janeiro de 2021

Ignaz Semmelweis: o médico internado em um hospício por insistir que deveríamos lavar as mãos

   Há algumas semanas me deparei com um comentário, feito em uma página relacionada à medicina, onde uma senhora dizia que médicos deveriam ser presos caso dessem qualquer orientação ou compartilhassem alguma notícia sem que houvesse algum "estudo científico" que comprovasse o que havia sido dito.  

    O que me causou espanto foi a quantidade de curtidas que o comentário obteve, e o que me deixou ainda mais perplexo foi que, ao observar os perfis de quem havia curtido, pasmem, a maioria era de médicos ou estudantes de medicina. Após refletir alguns dias sobre o comentário, lembrei-me da história do Dr Ignaz Smmelweis, o médico que foi internado em um hospício por insistir na ideia de que deveríamos lavar as mãos. 

    Ignaz Philipp Semmelweis nasceu em 1818 em Budapeste, capital da Hungria. Concluiu o curso de medicina em 1844 em Viena, capital da Áustria, tendo após isso decidido se especializar em Obstetrícia no Hospital Geral de Viena. Passado o tempo, começou a chamar atenção do Dr Semmelweis o fato de que na primeira clínica de obstetrícia a taxa de mortalidade materna pós-parto era de 10%, já na segunda clínica girava em torno de 4%. 

 
 

    A atitude do Dr Ignaz foi, primeiramente, unificar os procedimentos, a distribuição dos equipamentos, etc. Contudo, a diferença entre as taxas de mortalidade continuou significativa. O médico, após um período, constatou que as equipes eram diferentes. Na clínica de mortalidade mais alta, os profissionais eram médicos e estudantes de medicina. Já na de mortalidade mais baixa o serviço era realizado por parteiras. 

   A explicação encontrada pelo Dr Ignaz foi que os médicos e estudantes de medicina realizavam necrópsias e manuseavam os cadáveres no mesmo hospital antes de realizar o parto, o que poderia causar uma contaminação devido as "partículas cadavéricas". A partir daí o médico instituiu, no Hospital Geral de Viena, a prática de lavagem de mãos com hipoclorito de cálcio para médicos e estudantes de medicina antes de realizarem os partos, o que fez as taxas caírem significativamente já no mês consecutivo, fazendo as clínicas terem taxas semelhantes.

  Não obstante, apesar dos bons resultados, a prática não foi bem aceita pelos superiores do Dr. Semmelweis, fato que resultou em sua demissão. O médico retornou para seu país de origem onde passou mais alguns anos colocando em prática sua descoberta, porém sendo novamente desconsiderado e tratado como louco até mesmo por familiares, devido sua insistência na prática de higienização das mãos antes dos procedimentos.

   O Dr. Semmelweis foi internado à força, obrigado a usar camisa de forças e colocado em uma cela escura, tendo morrido duas semanas depois por infecção no dedo médio da mão direita, que causou uma infecção generalizada. Sua descoberta só passou a ser tratada com seriedade após o desenvolvimento da teoria de Louis Pasteur acerca dos germes das doenças, que ratificou a importância de técnicas de assepsia em cirurgias. 

    Por falta de "evidências", o Dr Ignaz Semmelweis foi levado a um hospício, onde morreu. Qual o preço de exigir que recomendações médicas baseadas em conceitos básicos da infectologia, fisiologia, farmacologia, etc. tenham ensaios clínicos randomizados para embasá-las? Quantas vidas foram ou poderiam ter sido salvas no Hospital Geral de Viena pela orientação de higienizar as mãos antes dos procedimentos? 

    Por fim, resta a dúvida sobre as curtidas do comentário citado no início do texto: será que esses médicos e estudantes desconhecem a história de sua profissão ou realmente concordam em serem presos ou internados por raciocinarem, assim como Ignaz Semmelweis?