domingo, 19 de outubro de 2025

Crônica: Versões de mim - Autor: Luís Fernando Veríssimo

Novos caminhos em diferentes áreas da vida 


Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.

Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice feito aquele teste...

Agora mesmo, neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz — aliás, o nome do bar é Imaginário —, sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

— Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.

— Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?

— Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia...

— Eu sei, eu sei... — disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido... Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

— Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.

— Como é que você sabe?

— Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei...

Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante...

— Ele chutaria para fora.

Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou:

— Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio...

— E o que aconteceu? — perguntamos os três em uníssono.

— Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?

— Você...

— Morri com 28 anos.

— Bem que tínhamos notado sua palidez.

— Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo...

— E ter levado o chute na cabeça...

— Foi melhor — continuei — ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado...

— Você deve estar brincando! — disse alguém sentado à minha esquerda.

Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

— Quem é você?

— Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra... As consequências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração.

Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente.

Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente.

Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas...

— Quem é você? — perguntei.

— Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

— E...?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo...


Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou das atitudes que você não teve, mas sim, daquilo que foi feito.

Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado.

“Porque tudo vale a pena, se a alma não é pequena.”

sábado, 5 de julho de 2025

Psiquiatria em obras de arte [3] - Transtornos de Ansiedade


ObraAnsiedade (Angústia)
Autor: Edvard Munch
Ano1894


    A obra Ansiedade (Angústia) foi feita pelo artista Edvard Munch em 1894. O pintor iniciou sua carreira artística aos 17 anos, quando foi levado para Paris, cidade onde trabalhou por vinte anos. No decorrer desse período foi influenciado pelo impressionismo e pós-impressionismo, mas ao longo do tempo desenvolveu seu estilo próprio, que no geral buscava retratar doenças, ansiedade e morte. [1]

    A forma de representar o mundo em suas obras tem relação com os acontecimentos de sua vida pessoal, uma vez que Munch teve a sua trajetória marcada pela morte de familiares. Além da tristeza vivida em decorrência do luto, precisou lidar com a transtorno psiquiátrico do pai, o qual era decorrentes dessas perdas familiares. Munch reconheceu, então, a ansiedade como um problema atrelado à realidade, tendo passado a representá-la em suas obras. [2]


Um ícone cultural: ecos de "O Grito" - Arte na Rede
ObraO Grito
Autor: Edvard Munch
Ano1894

    Em sua obra mais famosa “O Grito” (Figura 7), Munch remonta um momento em que se viu completamente sozinho e experimentou o sentimento de ansiedade e pânico. Segundo a matéria de Harris, (2004) Munch relatou que, enquanto caminhava na companhia de dois amigos, sentiu um “toque de melancolia” e passou a enxergar o céu pintado de vermelho sangue. Então ele parou em uma grade para se recuperar do cansaço, mas seus amigos seguiram sem ele. Dessa forma, ele experimentou um silêncio desesperador e quando sua ansiedade aumentou, ele dissociou de suas emoções.  [2]

     Os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionados. Medo é a resposta emocional a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura. Obviamente, esses dois estados se sobrepõem, mas também se diferenciam, com o medo sendo com mais frequência associado a períodos de excitabilidade autonômica aumentada, necessária para luta ou fuga, pensamentos de perigo imediato e comportamentos de fuga, e a ansiedade sendo mais frequentemente associada a tensão muscular e vigilância em preparação para perigo futuro e comportamentos de cautela ou esquiva. As vezes, o nível de medo ou ansiedade é reduzido por comportamentos constantes de esquiva. [3]


[1] https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/article-abstract/481937
[2]https://jornal.usp.br/wp-content/uploads/2022/10/20221027_psicopatologias_retratadas_em_obras_de_arte.pdf
[3] DSM-V